Uma Mulher e tanto! Valente, lutadora, sofredora, com um humor sarcástico e brejeiro, alegrava-nos, soltava o riso, naquela sala onde fazemos Hemodialise 3 x por semana. Foi expulsa de casa pelo próprio filho e nora, com dois outros filhos, um com problemas mentais e outra com problemas cardíacos. Foi viver com um irmão deficiente em cadeira de rodas, numa casa pequena sem condições.
Depois de mais de 20 anos de diálise, o seu corpo estava deformado pelos problemas ósseos derivados da doença, com 2 transplantes fracassados, com várias fistulas ( cirurgia para nos poderem picar) novas e reconstruídas, já quase sem sitio onde poderem picar, era sempre uma dificuldade para a picarem, cheia de dores nas costas, durante o tratamento, diabética e por isso com imensas restrições alimentares, dificuldade em dormir, etc.

A Adelaide faleceu de covid-19, ontem dia 21 de Fevereiro de 2021, no Hospital de Setúbal. Não faleceu só devido ao estado dos pulmões, atacados pelo vírus, mas também do medo, medo de ir para o Hospital, medo de morrer se fosse. E o se é premente e determinante, apesar de inútil, agora; porque se ela não tivesse medo uma semana antes, quando se sentiu mal e ocultou os sintomas, e mesmo 2 dias depois ao testar positivo, foi obrigada a ir no INEM fazer diálise a Lisboa, tendo sido levada para casa naquele estado, pergunto, não deveriam tê-la levado imediatamente para um Hospital? Durante 3 dias esteve em casa com medo, sem querer avisar nenhum serviço de saúde, e a ser persuadida pela família a ir ao Hospital, até que chamaram o INEM, mas quando lá chegou, já ia num estado desesperado.
Vou sentir um grande vazio, um grande silêncio, naquela sala e na minha vida também. Já éramos amigas e cúmplices, quase da mesma idade, ela pescadora, eu, pequeno-burguesa a viver de heranças, ainda que modestas.
Quantas pessoas não estarão a passar por situações idênticas, por esse Mundo fora?
Vou sentir muitas saudades tuas, Adelaide, mas eu sei que andas por aí, algures, a mandar aquelas piadas brejeiras e a pôr esses átomos todos, perdidos de riso.