Notopia

A “Geografia da Notopia” (Papadimitriou, 2006) teoriza sobre a complexa interação das ciberculturas e do espaço geográfico. Essa interação tem várias facetas filosóficas e psicológicas (Papadimitriou, 2009). Excerto de Ciberespaço – Cyberspace – qaz.wiki

Lisboa, 2021. Os bairros “típicos” de Alfama, Mouraria e Bairro Alto, zonas históricas, de rua estreitas, e íngremes (no caso dos dois primeiros), casas antigas e exíguas, de uma grande convivência, quase forçada, devido à densidade e à proximidade urbana, autossuficiente em pequeno comércio e outras conveniências, com tradições de festas e desfiles, as marchas de Lisboa e os santos populares, agregando, entretendo e pacificando grande parte dos seus habitantes, de qualquer faixa etária, estão a morrer, a ficar desertos.

Os culpados estão identificados : O excesso de Turismo e os “Vistos Gold” criados por Paulo Portas em 2012, seduzindo investidores fora da CEE, concedendo entrada e autorização de residência sem necessidade do visto de residência em Portugal.

Também, o facto do imobiliário ser um dos poucos investimentos viáveis, e haver crédito assegurado dos bancos. Lembro-me que há uns 20 anos, a febre de procura de casas para investimento era tal, que as compravam ainda em planta, como quem compra sementes de origem duvidosa.

Uma característica da cibercultura é a homogeneização da cultura, o seu padrão típico, de moda, não tendo em conta as especificidades próprias de cada pessoa, grupo, país, região, clima, tradição, etc. que a uma velocidade vertiginosa de propaganda e comunicação, se copia e reproduz por todo o Mundo.

A globalização que criou poderosos poderes económicos, como também tecnológicas e religiosos, de caráter multinacional, homogéneo e totalitário, tende a eliminar a sã concorrência, os poderes locais e a dominar e influenciar os poderes políticos, de informação e educacionais.

A aparente democratização da internet, só faria sentido se houvesse democratização, no seu acesso, na capacidade de análise e consumo de toda essa informação, na cidadania plena do seu usufruidor.

O crescente e omnipresente Marketing, de ideias ou produtos, como um fim em si mesmo, independentemente da necessidade real das pessoas, invadiu a cibercultura, o ciberespaço.

As cidades, hoje, cruciais centros de negócio, e influência, para as grandes multinacionais, transformaram-se em cópias de outras cidades, com suas torres de escritórios, seus bairros “nobres” de condomínios de luxo, apartamentos e moradias “vip”, comércio “vip”, cultura “vip”, alta segurança, videovigilância.

Esta realidade afastou, fábricas e industrias para outros locais, multidões de não “vips”, todos os outros, foram ostracizados, estereotipados, conforme a cor, classe social, étnica, o carro, o telemóvel, o emigrante, o bairro, o emprego, as suas manifestações culturais.

A realidade portuguesa, traduzida pela extrema desigualdade social, salários de miséria, especulação imobiliária desenfreada, alto índice de desemprego e forte emigração de pessoas, desde os de mais baixa formação aos técnicos superiores, está a parecer-se cada vez mais com os Países Latino-Americanos.

Em termos urbanos, nascem dois mundos, antagónicos, conflituosos, em que um tem medo do outro. E este medo é amplificado pela imprensa sensacionalista e pela cibercultura, na internet, nas redes sociais, nos sites de conteúdo.

Agora, já não bastando os guetos, que são os bairros sociais de longa data, a ganância especulativa do imobiliário, detido por grandes empresas multinacionais ou sociedades anónimas, que compram bairros e avenidas inteiras, para escritórios, habitação de luxo, ou transformando bairros inteiros em hostels, desarticulando, desmantelando, os elos convivenciais, culturais e dinâmicos de uma cidade, como Lisboa ou o Porto, desertificando-as, despersonalizando-as, igualando-as a tantas outras cidades no mundo, uniformizadas no estilo arquitetónico, nas cores, nas mesmas marcas de produtos comerciais, no mesmo tipo de comida.

Eles vão à opera e ao concerto sinfónico com convite, a bocejar, roncar e a falar ao telele, eles só vestem roupa de marca, vivem e trabalham em edifícios cinzentos, escuros, iguais aos dos seus países ou à imagem das grandes metrópoles, num país do Sul, cheio de luz e calor, eles não passeiam pelas ruas com medo, isolam-se nos seus condomínios com medo, votam nos ultra liberais ou pior, com medo.

É esta Notopia (de no+topos=não lugar), que traduz neste caso a descaracterização das grandes cidades portuguesas, que estão a ficar sem alma, sem a diversidade de gente e sua cultura, ao querer homogeneizar uma forma e estilo de vida de uma camada da população, irá provocar a desertificação e estratificação de urbanidades, incompatíveis e inimigas.

Lisboa, por exemplo, está com custos entre 3000 a 9000 ou mais euros, o metro quadrado !? Quem poderá lá viver? Uma cidade de classe alta, altíssima? Em que a maioria são estrangeiros, turistas, temporários? E uma multidão de empregados, expulsos para dormitórios, onde o único requisito é o preço mais barato das casas, empastelados em comboios e transportes incómodos, escassos e ineficientes. Ou a multidão que é obrigada a viver em quartos, sejam empregados ou estudantes.

Isto é uma bomba, não acham?

O direito à habitação, está consignado na nossa Constituição.

A Constituição da República Portuguesa determina no seu artigo 65.º, n.º 1 que “todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”. O n.º 2 do mesmo artigo acrescenta que “para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado:
a) Programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social;
b) Promover, em colaboração com as regiões autónomas e com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais;
c) Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada;
d) Incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respetivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução.”
O n.º 3 do mesmo artigo consagra que “o Estado adotará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria”.
De referir, também, os artigos 70.º e 72.º da Lei Fundamental que estipulam, respetivamente que “os jovens gozam de proteção especial para efetivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais, designadamente, no acesso à habitação e que as pessoas idosas têm direito à segurança económica e a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que respeitem a sua autonomia pessoal e evitem e superem o isolamento ou a marginalização social” e ainda o n.º 1 do artigo 62.º da Constituição, que consagra o direito de propriedade privada para todos.

( excerto de um documento da Assembleia da Republica, sobre o Direito à Habitação, de 2017 )

Fontes :

Editorial: Notopia is less a warning than a prophecy of doom – Architectural Review (architectural-review.com)

Estamos caminhando em direção às Cidades Genéricas? (caosplanejado.com)

O que é notopia e por que ela compromete a identidade urbana? | Summit Mobilidade (estadao.com.br)

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