Câncer

Aos meus amigos e familiares que estão nesta luta.

Dói. Só aquelas sessões de quimio, todos os sentimentos avassaladores, medo, raiva, revolta, porquê a mim?

É como um rio, vai em jorros de espuma por entre os penedos em cascatas de fúria, depois tranquiliza, serenamente flui, sem mais contratempos e alvoroços, espelha as suas margens, transparece o seu fundo e recebe os seus habitantes, os seus amigos, que o amam e aceitam.

Não é uma fatalidade, muito menos um castigo. É só mais uma uma barreira, cada vez mais transponível, uma prova de força e resiliência. O câncer está a transformar-se numa doença crónica, só temos que tentar aprender a viver com ela. Falar abertamente, aos outros, sem culpa ou medo. Procurar apoio psicológico também é importante e necessário.

Se a esperança e a alegria de viver, for mais forte, determinante, o nosso estado de espírito, será mais destressante, todos os sentidos, nossos órgãos, nossos músculos, nossas veias, se comungam e batalham, para ajudar a melhorar a disfunção, a disrupção do nosso corpo. Ajuda, mas sem os tratamentos, que são cada vez melhores, mais eficazes, não conseguiremos tratá-lo.

O isolamento, a prostração, a derrota, a desistência, isso sim é o grande amigo do cancro. É o nosso principal inimigo.

Descuidar, relaxar, acreditar que já passou, quando já não sobra vestígio, também é uma perigosa armadilha.

A vida é bela, é um milagre, frases feitas, mas de uma verdade absoluta e salvadora.

Porque a vida é absolutamente bela? Porque não há outra oportunidade, porque mesmo sem uma boa qualidade de vida, é procurar ver a beleza em todas as coisas e em nós também. É um primeiro passo. É como, quando se está a aprender a pintar, damos por nós a reparar nos objetos, nas pessoas, na paisagem, nas suas cores, nas sombras, com uma perspetiva, um olhar, que não acontecia antes. Também na fotografia, os mais pequenos pormenores, a luz, as mais pequenas nuances, tudo é interessante e belo.

Vá à janela : há uma flor rasgando a calçada, crianças brincando, alheias ao carro que vem – Ei, cuidado! elas se afastam aos saltos , rindo, uma rapariga brincando com os seus cães, um velhote contando anedotas brejeiras para as vizinhas, estas perdidas de riso, um cão furioso latindo para um gato, altivo e desafiante, dois namorados discutindo, para depois se beijarem intensamente, uma mulher segurando as costas com dores, mas sorrindo ao ver o cão, um homem tropeçando numa pedra, e logo se erguendo lançando olhares fulminantes à pedra, um pombo poisando aí perto pedindo um pouco de pão, que você havia dado à tempo, as nuvens sopradas pelo vento formando figuras, e o crepúsculo ao longe, derramando-se em gradientes de luz… quantos instantes de beleza você consegue escrutinar?

E há sempre o amor, por si, por alguém, por um animal. Já tem um amigo de patas ou penas, incondicional e verdadeiro? Porque não experimentar?

Eu já tive uma rola, que andava em liberdade e me bicava entre os dedos da minha mão na cara, um cão que não comia enquanto eu não viesse, e que me lambia a cara quando eu chorava, um periquito que poisava no ombro e bicava o meu cabelo e um gato que me deixava maravilhada com os saltos para o cimo das portas e me deleitava com o seu porte de esfinge no postigo da janela.

Você é um guerreiro, não desarme, e sorria, pelo amor da vida!

Consultar : Liga Portuguesa contra o Cancro

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