Uma Vida de Mar – 1

O Comandante da Marinha Mercante, Jorge Manuel Correia Tomé, meu familiar por afinidade, e meu professor de natação aos 3 anos de idade, ofereceu-me há uns anos, os 3 volumes de crónicas, sobre a sua épica vida e experiência, como comandante da Marinha Mercante, e também em barcos de pesca, vivenciando a dura e muito cansativa pesca do bacalhau à linha, nos Bancos da Terra Nova, no noroeste do Atlântico e na Gronelândia. Esta obra encontra-se na Biblioteca Municipal de Faro.
A sua atividade estendeu-se desde os anos 40 aos anos 80, do século passado.
A Publicação foi registada, em 3 cadernos fotocopiados de folhas A4, constituindo dois deles, o 1º Volume ( crónicas da Marinha Mercante) e o 2º (A pesca do Bacalhau à Linha), a sua Tese de Licenciatura, para a Escola Náutica, já em 2000.

Julgo que haveria todo o interesse em serem publicadas em livro, estas crónicas de vida e do seu elevado mister, de interesse histórico e social, pelas descrições náuticas, das suas considerações dos lugares e das pessoas com quem se cruzou, ao longo das suas rotas, e especialmente sobre a pesca do bacalhau, retratando uma época da pesca do bacalhau em longínquas e gélidas paragens, de que há memória desde o sec XV, em Portugal, nos grandes veleiros de pesca, os lugres (de 3 mastros), que já rumavam aos Mares da Terra Nova, hoje pertencente ao Canadá. Entusiasmada e lírica, prometi-lhe que iria tentar que publicassem o seu testemunho real e objetivo dessa grande epopeia, mas não me foi possível. Como penso que estas crónicas são para serem divulgadas e lidas, tomo a liberdade de publicar alguns excertos da sua obra, (com alguns cortes, preservando o essencial da narrativa), como uma merecida homenagem a este meu amigo e excelente pessoa.


PRIMEIRO VOLUME

Prefácio

“(…) Durante as longas viagens, mantinha a leitura de numerosos livros, e uma vez lidos, eram trocados com colegas de navios de língua inglesa, francesa, espanhola ou italiana.

Nos portos estrangeiros, sempre que me foi possível, visitei museus, monumentos, catedrais, basílicas e igrejas ou templos, desde os budistas, sinagogas, ou assistia a conferencias.

No que se referia à vida propriamente marítima, tinha que navegar, apreciar, discutir, fazer relatórios sobre a reparação dos navios, e se as mesmas reparações estavam conforme ao que havia sido pedido. Havia que lavrar protestos, em caso de temporal, para que ficassem cobertos quaisquer prejuízos ocorridos no navio ou na sua carga.

Tive a possibilidade de navegar em navios de vela, a motor, de turbinas, transportando carga geral, a granel, ou mineraleiros, tanques, frigoríficos, quebra-gelos, navios frigoríficos de transporte de bananas, navios de contentores, bem como naqueles utilizados na pesca do bacalhau à linha, ou nos utilizados na pesca do atum. Do mesmo modo naveguei num grande navio fábrica de farinha e óleo de peixe, com bandeira da África do Sul. (…)


VIAGEM DO PRESIDENTE PORTUGUÊS ANTÓNIO JOSÉ DE ALMEIDA, AO BRASIL, NO ANO DE 1922

No primeiro Centenário da Independência do Brasil, em Setembro de 1922, o Governo Português, determinou enviar ao Brasil, uma luzida embaixada, tendo como principal figura, o Doutor António José de Almeida, então Presidente da Republica, que era, ao mesmo tempo, médico, escritor, grande orador republicano, e estadista português, contando nesse ano, 56 anos de idade.

Havia sido fundador do jornal REPÚBLICA, e fundador e chefe do Partido Evolucionista.

(…) Nesse conturbado período de tempo, por volta dos anos 20, em Portugal, após passado o período da Grande Guerra de 14-18, que teve o seu Armistício em 1918, vivia-se no nosso país, um desfilar e corrupio de governos, sucedendo uns aos outros, com reduzida permanência no poder.

(…) Para complementar todo este estado de coisas, como a Grande guerra nos deixara desde 1916, na posse de 72 navios que haviam sido apresados aos alemães, não dispondo de pessoal competente, para os manter operacionais, bem como, toda a sua maquinaria, e o mesmo sucedendo com relação às reparações navais necessárias aos ditos navios.

(…) Foi um destes navios, o velho Paquete PORTO, que foi escolhido, para transportar o Presidente Português, desde Lisboa, até ao Rio de Janeiro.

(…) Por essa altura, não deixaram de se ouvir os conselhos de alguns entendidos na matéria, afirmando que o navio não estava em condições de fazer uma tal viagem, mas sem que os responsáveis atendessem tais opiniões ou conselhos.

(…) O navio saiu do Estuário do Tejo, mas como a reparação da máquina, não havia terminado ainda, foi rebocado até à saída do rio onde fundeou, em São José de Ribamar, mantendo-se em reparação durante um período de dois dias, findo os quais, largou definitivamente para a viagem. Note-se, que a viagem do Paquete PORTO, havia sido mal programada, com um horário muitíssimo apertado, a fim de chegar ao Rio de Janeiro, antes do inicio das festividades de 7 de Setembro.

Foi ocultado ao público, que o navio não estava em condições de uma tão importante viagem, num período relativamente curto, e sem qualquer margem, para tanta reparação, num crime de lesa-Pátria, sujeitando o mais alto Magistrado da Nação, a um vexame, que deve ter sido o maior, sofrido por um Presidente da República Portuguesa.

Depois da partida de Lisboa, o navio PORTO, teve que arribar às Ilhas Canárias, onde sofreu nova reparação.

Entretanto, todos os portugueses, e principalmente os brasileiros, nos seus respectivos países, seguiam o desenrolar do drama, pela posição diária do navio, com os dias a passar, e o navio na sua odisseia, de para e repara as caldeiras ou a sua máquina principal.

Como não podia deixar de ser, todos os festejos no Rio de Janeiro, foram efectuados, e o paquete PORTO, nada de chegar…, até que uns dias depois de todas as festas acabadas, o mesmo navio fez a sua entrada na Baía de Guanabara (…)

Mesmo assim tarde, e porque a chegada de um Paquete Português à cidade capital do Rio de Janeiro, constituía sempre um dia de festa monumental ou dia de São Vapor, foi o Presidente Português, recebido em delírio de manifestações de amizade, pelo Presidente Brasileiro, Doutor Epitácio Pessoa, e pelo povo Carioca, com uns monumentais banhos de multidão, de festas e de recepções. (…)


EMBARQUE DO ALMIRANTE GAGO COUTINHO, EM LISBOA, COM DESTINO AO BRASIL

Durante o período de tempo, que me mantive, na Inspeção do cais, na Companhia Colonial de Navegação, em Lisboa, por volta dos anos 1952-53, embarcava muitas vezes, nos Paquetes Serpa Pinto, no Vera Cruz, ou no Santa Maria, o Senhor Almirante Gago Coutinho, de seu nome, Carlos Viegas Gago Coutinho, com destino ao Brasil.

Sempre que o Senhor Almirante, se ausentava do país, com esse destino, era habito, ter uma despedida bastante concorrida, vindo um grande grupo dos seus amigos, constituído por pessoal do teatro e do fado, sempre em grande numero, desejando-lhe uma boa viagem, e que tivesse igualmente, um feliz regresso.

Os Paquetes na carreira do Brasil, geralmente largavam das Gares Marítimas do Cais da Rocha ou de Alcântara, no Porto de Lisboa.

Numa dessas partidas para o Brasil, encontrando-se o Almirante já a bordo do navio, à amurada do tombadilho, ao ver chegarem ao cais da Gare Marítima, o grupo dos seus amigos, desceu, dirigindo-se ao portaló, onde se encontrava a escada que dava acesso ao cais, a fim de abraçar os amigos.

Estando de guarda ao portaló, um guarda da Polícia Internacional, ao ver a figura da pessoa que desejava sair do navio, e que possivelmente tomou como sendo um emigrante, disse-lhe em voz rude: Onde vai? Não sabe que uma vez a bordo, não pode voltar a sair ao cais? O Almirante estacou, e nem sequer lhe respondeu, até porque sendo uma pessoa bastante afável, simpática e simples no trato, nem deve ter pensado em responder a esse brutamontes.

Um dos Polícias Marítimos, que também se encontrava ao portaló do Paquete, e que assistiu ao facto, imediatamente, porque conhecia o Almirante, teve que intervir, dizendo (…) tratar-se da pessoa do Almirante Gago Coutinho (…)

O Polícia Internacional, caindo em si (…), dirigiu-se-lhe imediatamente, pedindo mil desculpas (…), dizendo-lhe que podia descer ao cais, as vezes que quisesse, e quando quisesse.

(…) O Almirante Carlos Viegas Gago Coutinho, nasceu em Lisboa, a 17 de Novembro de 1869, tendo falecido também em Lisboa, em 1959.

Fez o curso dos Liceus, frequentou a Escola politécnica em 1885/86, ingressando na Escola Naval, onde estudou até ao ano de 1888. Saído da Escola Naval, embarcou em vários navios de guerra, tendo feito parte de várias operações militares, incluindo as de Timor, em 1912.

Foi um geógrafo notável, nos diferentes trabalhos geodésicos, topográficos (…)

(…) Devido ao seu muito saber, empreendeu o estudo da navegação aérea, ligando-se ao Capitão Tenente Sacadura Cabral, tendo iniciado a viagem de estudo entre Lisboa e o Funchal, para comprovar o estudo da navegação aérea.

Em 1912, do mês de Março ao mês de Junho, no Hidroavião LUSITANIA, realizou a ligação aérea entre Lisboa e o Rio de Janeiro, tendo ficado memoriável este feito, e efectuado a navegação aérea, com o auxílio do sextante adaptado por ele, feito os cálculos com as Tábuas Náuticas.

(…) Por este feito, foi agraciado pelo Governo Português, tendo sido promovido ao Posto de Contra-Almirante, condecorado com várias Ordens de Mérito e agraciado pelos Governos Francês, Espanhol, Brasileiro, Belga e Italiano.

(…) Escrevia grande número de artigos técnicos, para várias revistas, muitos dos quais referentes às viagens dos descobrimentos marítimos, feitos pelos veleiros dos Séculos XV e XVI.

Em 1943, fez uma viagem na Barca Foz do Douro, onde repetiu a viagem de Pedro Álvaro Cabral, de 1500, mas sempre à vela. A Barca Foz do Douro, era comandada então pelo Comandante Cruz, um Algarvio de Tavira, que me narrou a viagem feita pelo Almirante.

(…) Por testamento deixou a sua Biblioteca à Marinha.

Durante as operações de Delimitação da nossas fronteiras coloniais, os seus cálculos das posições geográficas, eram respeitados por todos os colegas Geógrafos, portugueses e estrangeiros, como básicos.

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