Despejos, Bairros de Lata & Especulação

Vemos, ouvimos e lemos, como dizia a Sophia de Mello Breyner, não podemos ignorar

Vemos

Os nossos vizinhos, amigos, familiares, serem despejados à força. Eu vi, pelo menos uma família, em que atiraram as coisas de qualquer maneira para dentro do camião, sem o mínimo cuidado, e no caso de um rapaz, despejaram todos os seus haveres, livros, discos, roupa, todo o recheio, menos móveis, porque a casa era alugada. Este rapaz sofria de problemas mentais, e ultimamente só o via a carregar a pé, garrafões de agua. Não queria ajuda e nem falava com ninguém.

Um dia, reparei num prédio de uns 10 andares, que havia sido renovado, e estava na totalidade para alugar, achei estranho, porque sempre me lembro de ver o prédio habitado. Os inquilinos devem ter sido todos despejados à força, dado que o prédio ficou totalmente vazio.

Ouvimos e Lemos

Soube depois que pertencia à seguradora Fidelidade (desde 1835), e que esta tinha sido adquirida pelo grupo de investimento chinês Fosun, que também adquiriu a saúde Espírito Santo e participação na REN. Liderado por um empresário chinês, dos mais ricos de China, e a braços com a justiça chinesa, desconhecendo-se, na altura, o seu paradeiro.

Mais tarde, em 2018, venderam cerca de 271 casas (sem pagamento do IMT, porque eram para revenda), ao fundo Apollo, norte-americano, com morada em paraísos fiscais, especialista em comprar empresas falidas, que havia adquirido o Novo Banco, as seguradoras Açoriana e Tranquilidade. Os inquilinos destes vários imóveis, principalmente na area da grande Lisboa, receberam cartas de não renovação dos contratos, ficando sujeitos a despejo, sem direito de preferência na compra. A maior parte destas habitações iriam para alojamento local (turístico).

Em 2020, A seguradora francesa Axa Investment Managers comprou uma série de imóveis residenciais ao fundo norte-americano Apollo por 200 milhões de euros.

Bairros de lata

Um estudo publicado em abril na revista científica Journal of Urban Health recomenda que os países em desenvolvimento que enfrentam surtos de doenças infecciosas priorizem o fornecimento de água, alimentos e materiais de saneamento para os seus moradores mais pobres.

Economistas também aconselham a fazer pagamentos em dinheiro para as famílias mais pobres e interromper as ordens de despejo.

Zap.aeiou

Lembram-se dos bairros de lata em Lisboa? Onde corriam os esgotos a pleno ar livre? Lembram-se da Curraleira, um dos mais antigos de Lisboa? As centenas de barracas foram demolidas e as pessoas realojadas em novos prédios no vale de Chelas. E outros, como o Bairro das Minhocas, no Rego e o Bairro da Liberdade, em Campolide, que foi o mais antigo bairro de lata de Lisboa.

E a Pedreira dos Húngaros (vídeo, reportagem 1984), em Oeiras, lembram-se? Onde viviam mais de 3 mil pessoas, a maioria de origem africana, os quais, devido ao desemprego, condições degradantes de habitação, miséria, iliteracia, má alimentação, crianças e jovens, sem ou com o impossível controlo e regras parentais e escolares, etc (comum a todos os bairros de lata), tornara-se inevitavelmente, num local de consumo e venda de droga, que veio desestabilizar ainda mais a sua precariedade. Em 2003, foi demolida a última casa. Foram transferidos para um bairro novo. Onde antes, havia comunidade e entreajuda, agora há isolamento e solidão.

A casa é condição para a uma vida digna, mas a escassez económica e escolar dos seus habitantes, e a quebra de laços de vizinhança, transforma estes bairros em guetos marginais.

Não chega construírem bairros com condições de habitabilidade, apesar de ser uma mais valia, é preciso uma maior integração e apoio, fomentar atividades, creches, apoios para auto-emprego, por exemplo pelo míni crédito.

O fomento do desporto, musica, teatro e dança, nestes bairros é uma barreira contra a droga e criminalidade, como para dar outras perspetivas à juventude. A atribuição de bolsas de estudo para cursos profissionais, ou superiores, também seria de vital necessidade.

Os bairros de lata de Lisboa, Porto, Aveiro e Setúbal, a seguir ao 25 de abril, 1º através das comissões de moradores, que tentaram, com grupos de engenheiros e arquitetos, resolver da melhor maneira que podiam, este flagelo. Mais tarde este processo foi desmobilizado, por ser demasiado revolucionário.

Ao longo destes anos, seriam construídos bairros de habitação social ou a custos controlados, geralmente longe e desintegrados da malha urbana, na periferia, como guetos, estigmatizando a sua população. De qualquer modo, constituiu uma grande melhoria da sua condição de vida.

A vinda das pessoas dos PALOPS, a falência de grandes empresas e a migração do interior para as grandes cidades da periferia, aumentou a malha de bairros de lata, ou construções precárias sem condições sanitárias e desumanas.

Há todo um estudo, feito e por fazer, sobre as causas, que poderão implementar uma mudança. Começando pela especulação imobiliária, passando pelo salário digno, até à desertificação do interior do país.

Especulação

A especulação imobiliária, inicialmente em Lisboa e Porto, está a alastrar para a periferia, onde os desalojados e famílias, teriam como primeira intenção de residência.

Lembram-se do Rossio? da Pastelaria Suíça?

O preço médio em Lisboa está a mais de 400.000 Euros, e continua a aumentar. O arrendamento médio é de quase 1000 euros.

O salário mínimo em Portugal Continental, é de € 665.00 (salário bruto), e o salário médio é de € 1.326,00, em 2020.

Com a concentração de serviços, comércio e empresas, e ensino superior, maioritariamente localizadas em Lisboa e Porto, podem imaginar como um trabalhador, mesmo da classe média, onde terá que residir, a que distância, e a despesa em transportes, que terá que suportar.

Em relação aos estudantes, que precisem de um alojamento de aluguer, é completamente surreal.

A Habitação não é um mercado, é um direito!

Está na Constituição Portuguesa, e é um direito básico, de qualquer pessoa e família.

E, como se já não bastasse o preço astronómico das casas, o imposto adicional, IMI, que parece que penaliza as pessoas por terem casa própria, ainda por cima, pode aumentar, conforme a zona, vistas, etc.

A desertificação de Lisboa

Como as casas são negócio, investimento, avuloma-se o nº de casas devolutas, à espera do despejo, de melhor comprador ou do aumento dos preços.

O mesmo está a suceder em Berlim, Barcelona, Madrid e outras cidades europeias.

Não podemos ignorar

Não se pode acabar com isto?

A História ensina-nos que o descontentamento generalizado, injustiças recorrentes, miséria crescente, como também um sistema de Justiça, de protelação sucessiva, em relação aos grandes crimes de colarinho branco, e lentíssima em relação ao cidadão comum, pode ser uma “Bomba Relógio“, como afirma Helena Roseta (no contexto da Fidelidade) (1). E que, normalmente, seguem algum candidato a ditador, demagogo e mentiroso, de direita e extrema direita, com ideias xenófobas, anti-emigrante e anti tudo o que seja social. Já agora, também está a aumentar o antissemitismo.

Onde é que já ouvimos isto?

Artigos a ler

Os vizinhos ainda têm saudades da Pedreira dos Húngaros. E Joice quis perceber porquê“, amensagem.pt

Seguradoras vendidas a preço de saldo“, jornal SOL

GRANDE LISBOA AINDA TEM 13 BAIRROS DE LATA“, artigo do Expresso, 2019, pdf (através da Universidade de Lisboa )

Área da Grande Lisboa tem 13 bairros de lata. Mais de 1.800 famílias vivem em barracas” no Jornal Económico (2019)

Ver reportagem RTP, de 1974, por Luís Filipe Costa, sobre “A falta de condições dos bairros de lata”

Ler reportagem “Construção de barracas regressa à Grande Lisboa” aqui na Radio Renascença online

Nos últimos 25 anos nasceram 43 bairros degradados em Almada“, revista Sábado

Bairros de lata são incubadoras de covid-19, mas ninguém ajuda os milhões que lá vivemZap.aeiou

Prédios da Fidelidade“, em Loures, S:António dos Cavaleiros, reportagem RTP, 2018

Casas da Fidelidade compradas pela Apollo não pagaram IMT“, dinheirovivo.pt

Venda de prédios da Fidelidade é uma bomba-relógio”, diz Helena Roseta, 2018 (1)

Fidelidade vende imóveis por 425 milhões a empresas com capital social de 100 euros“, Helena Roseta, 2018

“Tribunal de Contas conclui que privatização das seguradoras da Caixa foi um mau negócio para o Estado” eco.sapo.pt

“Fidelidade quer vender sede por 80 milhões de euros numa operação de “sale & leaseback”, jornaldenegocios.pt

Só há uma seguradora 100% nacional” Jornal Expresso, 2017

2 pensamentos sobre “Despejos, Bairros de Lata & Especulação

  1. Neste mundo que construímos cheio de absurdos, gente abusadora e injustiças mas também de beleza, bons princípios e de gente boa, temos que, como sociedade ir procurando o equilíbrio possível. E alertando também, como neste post.
    Enquanto houver gente, haverá extremismos. O importante é que haja bom senso no momento em que somos chamados a escolher….

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    1. Concordo, mas, creio que o bom senso se constrói com boa informação e discernimento, e já agora com empatia, e parece-me que é o contrário que está a mover as opções de grande parte das pessoas. O medo irracional…
      Um bom domingo e boas fotos, à chuva.

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