E venham mais 5.

6 – Jorge Luis Borges – Ficções (1941)
Edição “Livros do Brasil”, 1969
Capa de Lima de Freitas
Prólogo
As oito peças deste livro não requerem maior elucidação. A oitava (O Jardim de caminhos que se bifurcam) é policial; os seus leitores assistirão à execução e a todos os preliminares de um crime, cujo propósito não ignoram, mas que não compreenderão, parece-me, até ao último parágrafo. As outras são fantásticas; uma – A lotaria na Babilónia – não é totalmente isenta de simbolismo.
Não sou o primeiro autor da narrativa A Biblioteca de Babel; os curiosos da sua história e da sua pré-história podem examinar certa página do número 59 de SUR, que regista os nomes heterogéneos de Leucipo e de Lasswitz, de Lewis Carroll e de Aristóteles. Em As Ruínas circulares tudo é irreal; em Pierre Menard, autor do Quixote, irreal é o destino que o seu protagonista se impõe. O rol de escritos que lhe atribuo não é muito divertido, mas não é arbitrário; é um diagrama da sua história mental…
Desvario laborioso e empobrecedor o de compor vastos livros; o de explanar em quinhentas páginas uma ideia cuja exposição oral cabe em poucos minutos. Melhor procedimento é simular que estes livros já existem e apresentar um resumo, um comentário. (…)

7 – Arundhati Roy – O Deus das Pequenas Coisas (1997)
Editora ASA, 8ª edição (1999)
Na 1ª dobra (orelha) da capa
(…) Um primeiro romance que mereceu imediatamente, em 1997, o “Booker Prize”, o mais importante prémio literário da lingua inglesa.
O Deus das pequenas coisas é a historia de tês gerações de uma família da região de Kerala, no sul da India, que se dispersa por todo o mundo e se reencontra na sua terra natal. Uma história feita de muitas histórias. A história dos gémeos Estha e Rabel, nascidos em 1962, por entre notícias de uma guerra perdida. A de sua mãe Ammu, que ama de noite o homem que os filhos amam de dia, e de Velutba, o intocável deus das pequenas coisas.
A da avó mammacbi, a matriarca cujo corpo guarda cicatrizes da violência de Papachi. A do tio Chacko, que anseia pela visita da ex-mulher inglesa, Margaret, e da filha de ambos, Sopbie Mol. A da sua tia-avó mais nova, Baby kochamma, resignada a adiar para a eternidade o seu amor terrreno pelo Padre Mulligan…
Estas são as pequenas histórias de uma família que vive numa época conturbada e de um país cuja essência parece eterna.
Onde só as pequenas coisas são ditas e as grandes coisas permanecem por dizer. O Deus da Pequenas Coisas é uma apaixonante saga familiar que, pelos seus rasgos de realismo mágico, levou a critica a comparar Arundhati Roy com Salman Rushdie e Garcia Márquez. (…)

8 – Erich Maria Remarque – Sombras no Paraíso
Edição Livros do Brasil, 1971
Capa de Alberto Gomes, Tradução de Maria Emília Ferros Moura
Na 1ª dobra (orelha) da capa
Esta é a história do jornalista Robert Ross que passou o fim da 2ª Guerra Mundial em Nova Iorque, tentando encontrar na América um novo principio de vida, após a sua fuga aos nazis. Ross não pode, porem, fugir ao seu passado e continua a ser um emigrante num mundo de emigrantes. Vive na sombra de um Paraíso.
A colocação que consegue, como angariador para um negociante de quadros, é provisória, e o seu amor por Natacha não tem futuro. Quando vai vender Renoirs e Manets a Hollywood, é contratado pelos produtores de filmes – ironia macabra do destino – como técnico em uniformes do Serviço Secreto Alemão. Após a capitulação, Ross regressa à Alemanha. Também ali, no entanto, permanece um expatriado, um estranho na sua propria pátria.
Um exceptional romance de Remarque.

9 – Alves Redol – Fanga
Edição 11º milhar, Lisboa 1948
Excerto do 1º capitulo “Antes Da Cheia Grande“
PARA VOÇÊS, FANGUEIROS DOS CAMPOS DA GOLEGÂ, ESCREVI ESTE LIVRO, QUE ALGUM DIA O POSSAM LER E RECTIFICAR – PORQUE O ROMANCE DA VOSSA VIDA, SÓ VOÇÊS O SABERÃO ESCREVER.
Naquela altura o meu pai fazia fanga e eu tinha começado a ajudá-lo no trabalho, embora pouco ou nada fizesse de proveito. Mas sempre me ia habituando, porque no campo, mal a gente deita fora as fraldas – isto é um modo de dizer, pois julgo que nunca as usei, a supor pelo que vejo nos cachopitos – começamos logo na lida, até depois de os braços e as pernas não darem jeito a mexer-se.
Confesso que de principio aquilo era bem da minha vontade, porque assim tomava uns ares de homem, coisa que de muito novo me agradou, mas que mais tarde achei de mau gosto. Minha mãe fez-me um almoço de pão de milho e azeitonas, meteu-me tudo num cesto que enfiei no braço e, enquanto o meu pai aparelhava a burrita, dei uma corrida a casa da avó Caixinha para me mostrar. Fêz-me uma grande festa, riu-se e chorou, pôs-me ao colo e deu-me umas passas de uvas, oferta que ela sabia ser da minha predilecção. A avó Caixinha dizia, sempre que me enxergava, que eu era a cara do meu avô Sebastião, morto, ainda eu era de peito, por um toiro dos Terrés que o apanhara, num dia em que ele voltava da Azinhaga. E, por causa dessa parecença, resultavam discussões amenas, mas que no fundo eram ásperas, com a minha avó Calçada, que afirmava ser eu um espelho da cara do meu bisavô. Então, andava como um boneco de mão em mão, olhado atentamente por todos, cada um tendo uma opinião a reforçar ou a desmentir as avós em despique.
– A testa é do avô Sebastião, lá isso…
– Mas os olhos e o jeito da boca são do meu pai que Deus tem.
– Não diga isso, comadre. Ora olhe bem o cachopo e veja se não está escrito e escarrado o meu homem. É todo inteirinho.
Eu por mim gostava mais das parecenças com o avô Sebastião, porque sempre fora morto por um toiro, ao passo que o outro morrera na cama, tolhido de reumático e com uma pneumonia. Isto no Ribatejo, e principalmente na Borda de Água, o ter feito frente a um toiro é de muito mais estimação que ter fidalgo ou doutor na família. É fama que fica e não esquece mais, se há algum poeta que dê para o cantar. (…)

10 – Teolinda Gersão – A Árvore das Palavras
Publicações Dom Quixote, 1ª edição, 1996
Capa de Filipe Malhão, baseado num azulejo de Ian Fitzpatrick
Excerto do 1º capitulo
Ao quintal chegava-se através da porta estreita da cozinha. E se é verdade que a cozinha era escura, nem por isso se deixavam de ver os objectos, as panelas de alumínio e as gordas caçarolas, os púcaros e as tigelas de esmalte, o fogão esbranquiçado, de bocas de latão, a grande mesa com tampo de pedra onde havia sempre alguma louça esquecida. Mas sobre isso passava-se de largo, sem realmente olhar, corria-se em direcção ao quintal, como se se fosse sugado pela luz, cambaleava-se, transpondo a porta, porque se ficava cego por instantes, apenas o cheiro e o calor nos guiavam, nos primeiros passos – o cheiro a terra, a erva, a fruta demasiado madura – chegando até nós no vento morno, como um bafo de animal vivo.
As coisas, no quintal, dançavam: as folhas largas de um pé de bananeira, as folhas e as flores do hibisco, os ramos ainda tenros do jacarandá, as folhas de erva nascediça, que crescia como capim e contra a qual, em dada altura, se desistia sempre de lutar.
Era quando alguém se deitava sobre a erva que via como eram finas as folhas do jacarandá varrendo o céu e como o sol era um olho azul e doirado espreitando, cegando todos os outros, para que só ele pudesse olhar. O sol, sobre o quintal e a casa, era o único olhar não cego.
Mas, como eu disse, não se precisava de olhos para ver, porque mesmo de olhos fechados se via, através das pálpebras inundadas de luz – a rede de arame do galinheiro ao fundo, o muro, o telhado da casa, as janelas, a porta escura, sempre aberta, a varanda, em cima, onde ao cair da tarde Laureano se iria sentar bebendo cerveja. Não se precisava de olhos para ver, a tal ponto se conhecia e possuía tudo, e também quase não era necessário esperar nem desejar, as coisas aconteciam por si mesmas, vinham ao encontro das pessoas – assim por exemplo bastava levantar a cabeça ao fim da tarde para ver Laureano sentado na varanda
Então a noite descia, como cerveja preta entornada pelo céu. Ou como uma pálpebra caindo. Porque era rápido o crepúsculo, a bem dizer não havia crepúsculo, como não havia transição entre as coisas: era a treva, ou a luz.