O sonho, Fernando Pessoa, B. Sassetti

Maria Zambrano afirma que ao contrário do que normalmente pensamos, o estado de sonho, é o estado inicial da nossa vida, É do sonho que acordamos para o mundo; a vigília advêm num segundo momento. Abandonamos o sonho pela vigília e não o inverso.

Maria João Neves

Bernardo Sassetti, “O sonho dos outros“, Album Nocturno, 2002

Do Livro do Desassossego, Bernardo Soares, Fernando Pessoa

(sugestão, ouvir o Bernardo Sassetti, em fundo da leitura)

(…)

Cada pessoa é apenas o seu sonho de si próprio.

(…)

O nosso sonho de viver ia adiante de nós, alado, e nós tínhamos para ele um sorriso igual e alheio, combinado nas almas, sem nos olharmos, sem sabermos um do outro mais do que a presença apoiada de um braço contra a atenção entregue do outro braço que o sentia.
A nossa vida não tinha dentro. Éramos fora e outros. Desconhecíamo-nos, como se houvéssemos aparecido às nossas almas depois de uma viagem através de sonhos..

(…)

Quem sabe se as paisagens dos meus sonhos não são o meu modo de não te sonhar? Eu não sei quem tu és, mas sei ao certo o que sou? Sei eu o que é sonhar para que saiba o que vale o chamar-te o meu sonho? Sei eu se não és uma parte, quem sabe se a parte essencial e real, de mim? E sei eu se não sou eu o sonho e tu a realidade, eu um sonho teu e não tu um Sonho que eu sonhe

(…)

O que é certo é que as coisas que mais amamos, ou julgamos amar, só têm o seu pleno valor real quando simplesmente sonhadas

(…)

Farei do sonhar-te o ser forte, e a minha prosa, quando fale a tua Beleza, terá melodias de forma, curvas de estrofes, esplendores súbitos como os dos versos imortais.
Criemos, ó Apenas-Minha, tu por existires e eu por te ver existir, uma arte outra do que toda a arte havida 

(…)

Uma chávena de café, um tabaco que se fuma e cujo aroma nos atravessa, os olhos quase cerrados num quarto em penumbra… Não quero mais da vida do que os meus sonhos e isto… Se é pouco? Não sei. Sei eu acaso o que é pouco ou o que é muito 

(…)

— Sonhos vagos, luzes confusas, paisagens perplexas — eis o que me resta’ na alma de tanto que viajei.
Tenho a impressão de que conheci horas de todas as cores, amores de todos os sabores, ânsias de todos os tamanhos. Desmedi-me pela vida fora e nunca me bastei nem me sonhei bastando-me 

(…)

Porque a visão do sonhador não é como a visão do que vê as coisas. No sonho, não há o assentar da vista sobre o importante e o inimportante de um objeto que há na realidade. Só o importante é que o sonhador vê. A realidade verdadeira de um objeto é apenas parte dele; o resto é o pesado tributo que ele paga à matéria em troca de existir no espaço.

(…)

Por isso a ideia que faço de mim é uma ideia que a muitos parecerá errada.
De certo modo é errada. Mas eu sonho-me a mim próprio e de mim escolho o que é sonhável, compondo-me e recompondo-me de todas as maneiras até estar bem perante o que exijo do que sou e não sou.

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