Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, conhecidas pelas Três Marias, autoras da obra Novas Cartas Portuguesas (1972), de teor feminista e de denuncia da repressão social, politica e colonialista, durante a ditadura em Portugal, que lhes valeu um processo em tribunal, tendo sido somente absolvidas após o 25 de Abril de 1974.

Anjos da memória – V
Os anjos alados da memória com as suas asas de pérgula e medronho a voarem noite dentro, pelo sonho Serás de branco despojada de tudo à cabeceira por detrás do meu ombro anjo mudo Serás de branco despojada de tudo, asas supostas de ti à minha beira O pássaro cintilante da tua nudez (uma matriz calada) Da tua nudez Com os teus seios de anjo sob as asas A tomares conta da memória És um passaro – digo És um pássaro com penas cintilantes dos teus olhos As tuas asas de pétalas tecidas com a luz das penas das asas que te crescem Poisar um pouco nos parapeitos da memória antes de recomeçar o voo de regresso a casa Com as nossas asas lúcidas: translúcidas e pálidas Deixa-me voar por cima do teu colo até ir poisar na tua alma É a memória, dos teus dedos pisados nas asas dos meus ombros Entrelaçados Enlaçados Como entranças os sonhos As tuas asas de prata que atravessam a voar o território brando das minhas lágrimas Este é o inconsciente dos teus olhos de águas postas – de águas sobrepostas – rente à meiga – à mansíssima racha do teu ventre Em voo raso perto da sua boca: A ouvir a memória... Há um ruido de asas que te é próximo um odor a flor, a framboeza um sabor a leite e a morango numa uterina luz de penumbra acesa Um pouco acima dos teus olhos, como um pássaro a voar por dentro, bem por dentro do interior dos lábios... do corpo A parte que é anjo do teu corpo e me procura a meio da madrugada Sobrevoando o lago que é suposto ser no meu sono aquilo que calava A parte que é anjo do teu corpo e me visita a meio da madrugada descansando as asas dos teus ombros, a meu lado: em cima da almofada Voava, com a memória das asas no sentido inverso do silêncio e do sono Oiço atrás de mim, o breve respirar das tuas asas – quase impercetível – Um ligeiro arfar Como a brisa a passar por entre as casas