E um poema de Ana Mafalda Leite
Keith Jarrett, menino prodígio, compositor e pianista, do jazz à música erudita, criou uma lendária composição, o Concerto de Colónia, em 1975, porque praticamente tocada de improviso e com trechos bastantes longos, na base de um um ou 2 acordes, completamente inusitado até aí. O que foi mais incrível, é que foi tocado em Colónia, num piano impróprio, desafinado, com teclas quebradas, pequeno e a soar mais a cravo. Ele, indeciso entre tocar ou não, ainda por cima, cansado, esfomeado e com uma grande dor de costas, resolveu tocar e conseguiu tirar o melhor partido desse piano, nascendo assim uma obra-prima, que seria dos discos para piano mais vendidos, nessa altura. O êxtase que demonstrava a tocá-la, também se tornou uma memória inesquecível.
Keith Jarrett, era muito irascível e exigente, nos seus concertos. Em 1981, veio tocar ao Coliseu dos Recreios, e como se sabe, silêncio era coisa que não existia por lá. Desde os atrasados, o ranger do piso e das cadeiras, o ruído dos espectadores, etc. Depois de ter pedido silêncio, e como o zunzum continuasse, pegou na toalha e saiu do palco, para não mais voltar.
Eis o Concerto de Colónia, sublime e irrepetível, principalmente, dadas as circunstâncias.
Koln Concert no Índico, da poetisa Ana Mafalda Leite O concerto de Colónia espalha-se pela baía até ao limite das nuvens ao tremer das águas sucessivo segue o altear do piano em seu espasmo infinito esqueço-me do rumor das casuarinas esqueço-me de todos os sons apenas o crescendo desse revolver do piano no interior das águas e chove tanto de súbito no mar chove essa chuva quente e boa que se dilui água na água transparente o azul chumbo de uma linha no horizonte desenha estranha contemplação dos anos uns sobre os outros rolam nas notas do piano como uma odisseia formidável um redemoinho sem sossego tão sossegado e brando aqui pousado nesta janela por onde entra toda a paisagem do Indico entretecida do concerto de Colónia aqui na baía com dois barcos que passam ao longe e no seu passar passam com eles os meus breves dias, a respiração do tempo bate devagar dentro das águas pousadas as nuvens em longo sofá azul esmaecido repousam do céu a luz do impreciso devir não sei se me apetece falar todos os sons são mais precisos que os da fala por isso apenas ouço desde que nasci que ouço todas essas vozes que caminham em silêncio pela garganta do mundo e estremeço de admiração pelas múltiplas raízes do seu correr de sentidos as nuvens entretanto ficam azul escuro e corre uma brisa devagarinho pela margem do esquecimento acordo para a noite e percorro com o olhar a verdadeira face do silêncio nestas notas que correm o piano em que o concerto nunca mais acaba devolvido à redundância de um solfejo a prumo na quilha do mar adormeço desse sono que é ser em devir em deriva desse sono que é memória perdida lançada nas redes que deixei que deixo que deixarei ao longo desta costa neste mar que me devolve ao estado de ser perpétuo pouso a cabeça entre os joelhos e o mar continua a entrar pela varanda invade a mesa e alaga a casa de azuis ultramarinos, meia noite, esmeralda turmalina nas notas de Keith Jarrett vibradas ao encontro daquelas amuradas de nuvens e destes sofás de ouro que a noite traz cheia com sua lua enlouquecida de tão gravitada em luz obesa de laranja e fruta etérea caminha por sobre as águas como se fosse em direcção ao infinito assim vai lenta e vagarosa a atravessar aquele horizonte do silêncio em que o mar descobre mais para diante a ilha de Madagáscar no seu pangaio de luz a lua vai nua e já quase branca ofélia-da-índia rumor de sonho deitada em sua morte iluminada faz chorar os muezins nos píncaros dos minaretes mais a norte dizem que hamlet enlouqueceu e com ele toda a costa deste castelo desta amurada índica sopram búzios a levante keith jarrett mergulha no mar com seu longo piano de cauda e as notas ouvem-se lentas a trinta e três rotações porque me esquece o coração de ser? porque tão estranho esquecimento me povoa ? a porta abre-se de repente com o vento e entra de novo a brisa índica pela mão de jarrett em múltiplos acordes o seu piano emergiu das águas e atravessa agora a planura ondeante deste horizonte em que não acabo e a que pertenço como um silabar de música ausente desde que nasci neste lugar neste ondear interminável da memória quem sabe um dia estas águas serão mais serenas já quase próximas de não se ouvirem os rumores que fazem quando o bater das ondas chega próximo do coração chega próximo desse lugar apetecido donde se parte como de um cais sempre em viagem de navio fantasma que o tempo o traz nos seus inumeráveis regressos demanda impossível em allegro andante ma non tropo jarrett suspira e o mar de novo ondeia pelas semibreves que o quase extâse vibrou em mi maior quando lua de novo se despiu das nuvens e mostrou seu perfil cheio entregue ao fim desta noite talvez ao começo da próxima e de tantas outras que hão-de vir sobrepostas e lentas aqui neste sossego sem qualquer memória em que apenas o concerto de colónia se entranha num tempo agora ouvido junto ao coração em jazz estribado a horizontes perdidos por ti keith jarrett no meu mar índico agora cor de azul meia-noite em mim navegando com barcos fosforescentes que singram altos em acordes longe e longamente soprados em soltos panos de lua O concerto de Colónia espalha-se pela baía até ao limite das nuvens ao tremer das águas sucessivo segue o altear do piano em seu espasmo infinito esqueço-me do rumor das casuarinas esqueço-me de todos os sons apenas o crescendo desse revolver do piano no interior das águas e chove tanto de súbito no mar chove essa chuva quente e boa que se dilui água na água transparente o azul chumbo de uma linha no horizonte desenha estranha contemplação dos anos uns sobre os outros rolam nas notas do piano como uma odisseia formidável um redemoinho sem sossego tão sossegado e brando aqui pousado nesta janela por onde entra toda a paisagem do Indico entretecida do concerto de Colónia aqui na baía com dois barcos que passam ao longe e no seu passar passam com eles os meus breves dias, a respiração do tempo bate devagar dentro das águas pousadas as nuvens em longo sofá azul esmaecido repousam do céu a luz do impreciso devir não sei se me apetece falar todos os sons são mais precisos que os da fala por isso apenas ouço desde que nasci que ouço todas essas vozes que caminham em silêncio pela garganta do mundo e estremeço de admiração pelas múltiplas raízes do seu correr de sentidos as nuvens entretanto ficam azul escuro e corre uma brisa devagarinho pela margem do esquecimento acordo para a noite e percorro com o olhar a verdadeira face do silêncio nestas notas que correm o piano em que o concerto nunca mais acaba devolvido à redundância de um solfejo a prumo na quilha do mar adormeço desse sono que é ser em devir em deriva desse sono que é memória perdida lançada nas redes que deixei que deixo que deixarei ao longo desta costa neste mar que me devolve ao estado de ser perpétuo pouso a cabeça entre os joelhos e o mar continua a entrar pela varanda invade a mesa e alaga a casa de azuis ultramarinos, meia noite, esmeralda turmalina nas notas de Keith Jarrett vibradas ao encontro daquelas amuradas de nuvens e destes sofás de ouro que a noite traz cheia com sua lua enlouquecida de tão gravitada em luz obesa de laranja e fruta etérea caminha por sobre as águas como se fosse em direcção ao infinito assim vai lenta e vagarosa a atravessar aquele horizonte do silêncio em que o mar descobre mais para diante a ilha de Madagáscar no seu pangaio de luz a lua vai nua e já quase branca ofélia-da-índia rumor de sonho deitada em sua morte iluminada faz chorar os muezins nos píncaros dos minaretes mais a norte dizem que hamlet enlouqueceu e com ele toda a costa deste castelo desta amurada índica sopram búzios a levante keith jarrett mergulha no mar com seu longo piano de cauda e as notas ouvem-se lentas a trinta e três rotações porque me esquece o coração de ser? porque tão estranho esquecimento me povoa ? a porta abre-se de repente com o vento e entra de novo a brisa índica pela mão de jarrett em múltiplos acordes o seu piano emergiu das águas e atravessa agora a planura ondeante deste horizonte em que não acabo e a que pertenço como um silabar de música ausente desde que nasci neste lugar neste ondear interminável da memória quem sabe um dia estas águas serão mais serenas já quase próximas de não se ouvirem os rumores que fazem quando o bater das ondas chega próximo do coração chega próximo desse lugar apetecido donde se parte como de um cais sempre em viagem de navio fantasma que o tempo o traz nos seus inumeráveis regressos demanda impossível em allegro andante ma non tropo jarrett suspira e o mar de novo ondeia pelas semibreves que o quase extâse vibrou em mi maior quando lua de novo se despiu das nuvens e mostrou seu perfil cheio entregue ao fim desta noite talvez ao começo da próxima e de tantas outras que hão-de vir sobrepostas e lentas aqui neste sossego sem qualquer memória em que apenas o concerto de colónia se entranha num tempo agora ouvido junto ao coração em jazz estribado a horizontes perdidos por ti keith jarrett no meu mar índico agora cor de azul meia-noite em mim navegando com barcos fosforescentes que singram altos em acordes longe e longamente soprados em soltos panos de lua