Continuação da publicação de excertos da epopeia marítima, do meu amigo, Comandante da Marinha Mercante, Jorge Manuel Correia Tomé. A sua atividade estendeu-se desde os anos 40 aos anos 80, do século passado.
UM CHEFE DE MÁQUINAS RUSSO, QUE CONHECI EM 1955
Estando no navio COPSTAR, em 1955, conheci um russo, que era então chefe de máquinas desse navio, arvorando bandeira da Costa Rica, que eu comandava, e que por termos convivido bastante, me contou a sua longa história, que não quero deixar de recordar, como me foi contada por ele próprio.
Era filho de um Engenheiro das linhas do comboio Trans-Siberiano, que muitas vezes fazia a viagem de um extremo a outro da linha siberiana, acompanhado pela esposa. Eram pessoas de boas posses, tendo portanto este meu amigo, estudado na Rússia, e mais tarde, após a morte dos pais, com a revolução russa, conseguido fugir da sua terra, estabelecendo residência em França, onde a guerra de 1939-45, o foi apanhar, mas logo que os alemães aí chegaram, foi levado para um campo de concentração situado na Alemanha.



Após uma permanência mais ou menos longa, um belo dia, ou talvez noite, conseguiu fugir, porque havia então pessoal militar, que voluntariamente eram feitos prisioneiros, com a finalidade de transmitir planos previamente estabelecidos a fim de facilitar a fuga do pessoal prisioneiro mantido nos campos de concentração alemães.
Para não ser descoberto pelos cães da polícia militar que o perseguiam, passou um riacho, para despistar o faro dos cães, conseguindo apanhar boleia num comboio militar, viajando escondido sobre o rodado do mesmo comboio durante longos dias, acompanhado por um ou outro ex-prisioneiro, mas logo que o comboio parava, eram colocadas sentinelas a cada lado do comboio, mas de comida, nada conseguiam, até que uma bela noite, a fome obrigou o nosso amigo russo, a deixar o companheiro, esperar que a sentinela mais próxima se afastasse um pouco, arriscando a sua sorte, esgueirando-se do comboio, dirigindo-se em direcção a uma única luz que via, e que por estar situada já na Holanda ocupada, país que não devolvia aos alemães os prisioneiros que se encontravam foragidos, como acontecia na Bélgica ocupada. lá lhe deram alguma comida, porque dadas as provações por que até então passara, ao chegar a essa luz e bater à porta, havia caído desfalecido.
Para não ser capturado pelos militares alemães, que então ocupavam a Holanda, as pessoas que o acolheram, levaram o fugitivo, escondendo-o na pocilga, vivendo ele escondido na companhia do porco, para disfarçar pelo acto de lhe darem comida.
Só depois de passarem uns quantos dias, em combinação com as forças de Resistência holandesa, foi o nosso amigo transportado num camião de palha, bem escondido, com rumo à costa do Mar do Norte, tendo a mesma Resistência holandesa feito com que fosse recolhido, juntamente com mais fugitivos, alta noite, de uma praia, num barco de borracha, que os levou a um submarino aliado, o qual os transportou com destino a Inglaterra.
Logo que chegou a Inglaterra, embarcou imediatamente nos navios que faziam a carreira entre a América e Murmansk, mantendo-se nessa linha de navegação durante algum tempo, até que o navio onde embarcava foi torpedeado, já perto da costa russa, no mar Branco. Foi recolhido e levado para a Rússia, mas uma vez lá chegado, sabendo-se que era russo por nascença, as autoridades lhe recomendaram, enquanto convalescia num hospital russo, que tivesse muito cuidado com tudo aquilo que dizia e o que fazia enquanto permanecesse no território russo.
Assim que se restabeleceu de saúde, voltou a embarcar, até que o fim da guerra o encontrou já com algum dinheiro ganho.
Uma vez desembarcado, com o fim de procurar reunir a família, conseguiu com o auxilio da Cruz Vermelha, reencontrar a mulher e os filhos. Uma das filhas havia casado e encontrava-se na Suíça, a outra foi encontrá-la na Itália, e a esposa, durante a guerra, acabou por conseguir uma casa nos arredores de Marselha, onde fui convidado a passar o almoço, num dia de Páscoa, acompanhado pelo meu amigo e pela esposa, que nos receberam maravilhosamente bem…
Mais tarde, recebi carta da esposa comunicando-me o falecimento do meu amigo Cyrille Levanewsky…
Incrivel história… a guerra é talvez das coisas da vida, mais difíceis de enfrentar!!
Oxalá nunca tenhamos que passar por isso!
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